terça-feira, 5 de agosto de 2014

Onze questões sobre o novo e o velho BES

1. E se Miguel Sousa Tavares tiver razão e tiver sido feito um empolamento artificial dos prejuizos do BES, por razões políticas e para que a nova administração venha depois a poder fazer flores, à custa dos antigos acionistas? E se o empolamento for da ordem dos mil milhões de euros, ou mais? Recorde-se que nem todos os acionistas do BES eram membros da familia Espirito Santo. Nem sequer a maioria ... E muitos eram pequenos acionistas. E não sei se todos os membros da familia podem ser tratados por igual nestas circunstancias.
2. Como se compreende que altos dirigentes do BES, alguns dos quais responsáveis por estarem diretamente envolvidos ao longo de muitos anos na venda camuflada de produtos financeiros do GES ao balcões do BES, apareçam agora na administração do banco novo?
3. Sem culpa formada, sem tribunais, parece que os anteriores dirigentes de empresas do BES, assim como revisores de contas, assim como os seus familiares diretos, ficam com as suas contas no BES "confiscadas" - algo que, quanto eu me recorde, nem sequer nas nacionalizações gonçalvistas da banca aconteceu. Quanto tenha visto anunciado, essas contas ficam bloqueadas até á dissolução do velho BES, depois dos anos (porventura décadas), como garantia contra eventuais ilicitos em que porventura tenham estado envolvidos. Note-se que o universo das pessoas afetadas parece ser muito maior do que a administração do antigo BES e respetivos órgãos de fiscalização.
4. Será que antigos dirigentes do BES que agora aparecem como dirigentes do novo banco também ficaram com as suas contas no BES atascadas (ou confiscadas) no banco mau, assim como os seus familiares diretos?
5. Afinal ninguém disse nada, mas parece que houve realmente um princípio de "corrida ao banco", na sexta feira passada e que foram muitos os depositantes a levantar ou transferir os seus ativos. Parece que se está a tentar esconder isso, mas parece que nos aproximamos perigosamente de um meltdown bancário na sexta feira passada, tal como tínhamos antecipados no último post, escrito precisamente durante a sexta feira passada (ver BES: um colapso e um desastre "colossais").
6. Sabe-se que a PT levantou á ultima da hora muitos milhões de euros do BES. Obra do espírito santo? Milagres destes são suspeitos ...
7. Os atuais gestores do novo banco são gestores públicos ou privados? O dinheiro é público, e sem o dinheiro público a operação teria sido impossível. Se são gestores de coisas públicas, porque não estão sujeitos ao ordenamento jurídico - e vencimentos - dos gestores públicos? Na realidade, o governo não teve outra solução senão nacionalizar o banco e usar dinheiros públicos para salvar os mercados. Uma vez mais, não me choca no plano ideológico - mas é a contradição total com a ideologia neoliberal do mercado privado.
8. Não é preciso ser bruxo para se anteciparem longas, longuíssimas, batalhas judiciais à volta quer do antigo BES como do novo banco, tal parece ser a inconsistência da construção jurídica da operação. Em consequência das incertezas que essa litigância vai criar, a venda do novo banco poderá conhecer grandes atrasos que por sua vez farão desmoronar a tal mentira de que isto não tem qualquer custo para os contribuintes ou para o Estado.
9. Depois disto, o tal fundo de salvação dos bancos fica sem dinheiro e ainda por cima a dever uma "colossal pipa de massa" ao Estado. E se acontecer algum precalço no Banif, ou noutro banco?
10.  E a Tranquilidade? É credível que, tal como BES, não existam aí muitas operações de engenharia financeira desenhada para financiar subrepticiamente os buracos das contas do universo empresarial do GES?
11. No final de sexta feira o mercado ainda avaliava o BES em cerca de 1.5 milhões de euros. A operação feita destruiu de forma quase completa e irreversível esse valor dos acionistas. Mais ano, menos ano, o Estado vai ter que acabar por indemnizar quem foi agora espoliado. Como os casos das anteriores nacionalizações mostraram. Não há Estado de direito que aguenta tropelias destas, mesmo que camufladas. Paulo Portas a defender publicamente que não havia outra solução senão nacionalizar o banco e espoliar os acionistas?

PS. Notável intervenção de um comentador (Marco Silva) no noticiário de hoje á noite na RTP2. Vale a penas ouvir.

sábado, 2 de agosto de 2014

BES: um colapso e um desastre "colossais"

1. Quando Vitor Bento e os outros novos dirigentes entraram para a gestão do BES como administradores cooptados (logo não eleitos pelos acionistas em Assembleia Geral), pela mão e inspiração do regulador, as ações do BES estavam cotadas a cerca de 0.45 euros. Quando escrevo isto, as acções do BES estão a transaccionar próximo dos 0.1 euros. Uma quebra brutal de mais de 75% em menos de um mês de gestão. Um colapso "colossal" e espantoso, em especial quando comparado com as evoluções de outros bancos cotados no mesmo período.


Pode-se argumentar que entretanto "apareceram" milhares de milhões de euros de dívida desconhecida e que isso justifica o desastre. Em parte é verdade - mas porventura menos do se pretende fazer crer. O mercado de capitais vive de expectativas futuras, e uma parte do risco do aparecimento desses buracos "colossais" já estava a ser antecipado pelo mercado.
O que está acontecer significa também que os mercados, uma vez mais, não dão cinco tostões nem pela capacidade da gestão de Vitor Bento & Cª para repor valor ao banco, nem pela capacidade do Banco de Portugal para rapidamente limpar a casa.
O resultado parece ser ter que meter dinheiros públicos no BES, porventura com uma cosmética contorcida que permita poder dizer que afinal não é uma privatização. Não me repugna uma nacionalização nas condições em que estamos. Mas que seja um governo de neo liberais, adversários jurados da intervenção do Estado na sociedade, que agora o tenha que fazer, ao revés de tudo o que tinha antes afirmado, diz bem da trapalhada e da falta de coerência deste governo.

2. O WSJ (aqui) diz-nos o que pensam os mercados, mesmo ainda antes do último colapso bolsista do BES:
  • "After saying for a while now that BES has sufficient capital, yesterday the Bank of Portugal said that a capital increase was necessary," Deutsche Bank strategist Jim Reid said.
  • Daragh Quinn, an analyst at Nomura International PLC who still has a buy rating on the bank, wrote in a note to clients that while the losses in BES aren't unprecedented "given the experience of some banks during the recent financial crisis, the manner in which they have been incurred seems unique. Until the details of the capital plan are clear, we don't have enough visibility on the investment case," he added in a note to clients earlier Thursday.
  • The cost of insuring BES debt against default also jumped. It now costs $590,000 a year to insure $10 million of BES debt for five years, $166,000 more than Wednesday's close, according to Markit.

3. Os casos de clientes BES que não estão a receber pontualmente os juros, ou mesmo o capital, devido por aplicações em produtos vendidos nos balcões do GES Alguns casos divulgados pelos media são mesmo muito preocupantes.
Afinal parece que as aplicações dos clientes do BES podem não estar seguras - mesmo tendo o banco criado provisões que teoricamente garantiam a sua satisfação, e depois de toda a gente, do Banco de Portugal ao Presidente da República, o terem andado a prometer. Não me admiraria muito se isto despoletasse uma corrida aos depósitos - um cenário que, a concretizar-se, seria alarmante e de consequências sistémicas.
As desculpas esfarrapadas da administração do Banco, atirando as responsabilidades para o Banco de Portugal, parecem patéticas. E levantam questões éticas gritantes sobre o comportamento empresarial do Banco e da sua administração. Como é que isso se conjuga com as tais preocupações éticas das atividades empresariais, que Vitor Bento alardeava defender acerrimamente? Claro que não se conjuga.