terça-feira, 5 de agosto de 2014

Onze questões sobre o novo e o velho BES

1. E se Miguel Sousa Tavares tiver razão e tiver sido feito um empolamento artificial dos prejuizos do BES, por razões políticas e para que a nova administração venha depois a poder fazer flores, à custa dos antigos acionistas? E se o empolamento for da ordem dos mil milhões de euros, ou mais? Recorde-se que nem todos os acionistas do BES eram membros da familia Espirito Santo. Nem sequer a maioria ... E muitos eram pequenos acionistas. E não sei se todos os membros da familia podem ser tratados por igual nestas circunstancias.
2. Como se compreende que altos dirigentes do BES, alguns dos quais responsáveis por estarem diretamente envolvidos ao longo de muitos anos na venda camuflada de produtos financeiros do GES ao balcões do BES, apareçam agora na administração do banco novo?
3. Sem culpa formada, sem tribunais, parece que os anteriores dirigentes de empresas do BES, assim como revisores de contas, assim como os seus familiares diretos, ficam com as suas contas no BES "confiscadas" - algo que, quanto eu me recorde, nem sequer nas nacionalizações gonçalvistas da banca aconteceu. Quanto tenha visto anunciado, essas contas ficam bloqueadas até á dissolução do velho BES, depois dos anos (porventura décadas), como garantia contra eventuais ilicitos em que porventura tenham estado envolvidos. Note-se que o universo das pessoas afetadas parece ser muito maior do que a administração do antigo BES e respetivos órgãos de fiscalização.
4. Será que antigos dirigentes do BES que agora aparecem como dirigentes do novo banco também ficaram com as suas contas no BES atascadas (ou confiscadas) no banco mau, assim como os seus familiares diretos?
5. Afinal ninguém disse nada, mas parece que houve realmente um princípio de "corrida ao banco", na sexta feira passada e que foram muitos os depositantes a levantar ou transferir os seus ativos. Parece que se está a tentar esconder isso, mas parece que nos aproximamos perigosamente de um meltdown bancário na sexta feira passada, tal como tínhamos antecipados no último post, escrito precisamente durante a sexta feira passada (ver BES: um colapso e um desastre "colossais").
6. Sabe-se que a PT levantou á ultima da hora muitos milhões de euros do BES. Obra do espírito santo? Milagres destes são suspeitos ...
7. Os atuais gestores do novo banco são gestores públicos ou privados? O dinheiro é público, e sem o dinheiro público a operação teria sido impossível. Se são gestores de coisas públicas, porque não estão sujeitos ao ordenamento jurídico - e vencimentos - dos gestores públicos? Na realidade, o governo não teve outra solução senão nacionalizar o banco e usar dinheiros públicos para salvar os mercados. Uma vez mais, não me choca no plano ideológico - mas é a contradição total com a ideologia neoliberal do mercado privado.
8. Não é preciso ser bruxo para se anteciparem longas, longuíssimas, batalhas judiciais à volta quer do antigo BES como do novo banco, tal parece ser a inconsistência da construção jurídica da operação. Em consequência das incertezas que essa litigância vai criar, a venda do novo banco poderá conhecer grandes atrasos que por sua vez farão desmoronar a tal mentira de que isto não tem qualquer custo para os contribuintes ou para o Estado.
9. Depois disto, o tal fundo de salvação dos bancos fica sem dinheiro e ainda por cima a dever uma "colossal pipa de massa" ao Estado. E se acontecer algum precalço no Banif, ou noutro banco?
10.  E a Tranquilidade? É credível que, tal como BES, não existam aí muitas operações de engenharia financeira desenhada para financiar subrepticiamente os buracos das contas do universo empresarial do GES?
11. No final de sexta feira o mercado ainda avaliava o BES em cerca de 1.5 milhões de euros. A operação feita destruiu de forma quase completa e irreversível esse valor dos acionistas. Mais ano, menos ano, o Estado vai ter que acabar por indemnizar quem foi agora espoliado. Como os casos das anteriores nacionalizações mostraram. Não há Estado de direito que aguenta tropelias destas, mesmo que camufladas. Paulo Portas a defender publicamente que não havia outra solução senão nacionalizar o banco e espoliar os acionistas?

PS. Notável intervenção de um comentador (Marco Silva) no noticiário de hoje á noite na RTP2. Vale a penas ouvir.

sábado, 2 de agosto de 2014

BES: um colapso e um desastre "colossais"

1. Quando Vitor Bento e os outros novos dirigentes entraram para a gestão do BES como administradores cooptados (logo não eleitos pelos acionistas em Assembleia Geral), pela mão e inspiração do regulador, as ações do BES estavam cotadas a cerca de 0.45 euros. Quando escrevo isto, as acções do BES estão a transaccionar próximo dos 0.1 euros. Uma quebra brutal de mais de 75% em menos de um mês de gestão. Um colapso "colossal" e espantoso, em especial quando comparado com as evoluções de outros bancos cotados no mesmo período.


Pode-se argumentar que entretanto "apareceram" milhares de milhões de euros de dívida desconhecida e que isso justifica o desastre. Em parte é verdade - mas porventura menos do se pretende fazer crer. O mercado de capitais vive de expectativas futuras, e uma parte do risco do aparecimento desses buracos "colossais" já estava a ser antecipado pelo mercado.
O que está acontecer significa também que os mercados, uma vez mais, não dão cinco tostões nem pela capacidade da gestão de Vitor Bento & Cª para repor valor ao banco, nem pela capacidade do Banco de Portugal para rapidamente limpar a casa.
O resultado parece ser ter que meter dinheiros públicos no BES, porventura com uma cosmética contorcida que permita poder dizer que afinal não é uma privatização. Não me repugna uma nacionalização nas condições em que estamos. Mas que seja um governo de neo liberais, adversários jurados da intervenção do Estado na sociedade, que agora o tenha que fazer, ao revés de tudo o que tinha antes afirmado, diz bem da trapalhada e da falta de coerência deste governo.

2. O WSJ (aqui) diz-nos o que pensam os mercados, mesmo ainda antes do último colapso bolsista do BES:
  • "After saying for a while now that BES has sufficient capital, yesterday the Bank of Portugal said that a capital increase was necessary," Deutsche Bank strategist Jim Reid said.
  • Daragh Quinn, an analyst at Nomura International PLC who still has a buy rating on the bank, wrote in a note to clients that while the losses in BES aren't unprecedented "given the experience of some banks during the recent financial crisis, the manner in which they have been incurred seems unique. Until the details of the capital plan are clear, we don't have enough visibility on the investment case," he added in a note to clients earlier Thursday.
  • The cost of insuring BES debt against default also jumped. It now costs $590,000 a year to insure $10 million of BES debt for five years, $166,000 more than Wednesday's close, according to Markit.

3. Os casos de clientes BES que não estão a receber pontualmente os juros, ou mesmo o capital, devido por aplicações em produtos vendidos nos balcões do GES Alguns casos divulgados pelos media são mesmo muito preocupantes.
Afinal parece que as aplicações dos clientes do BES podem não estar seguras - mesmo tendo o banco criado provisões que teoricamente garantiam a sua satisfação, e depois de toda a gente, do Banco de Portugal ao Presidente da República, o terem andado a prometer. Não me admiraria muito se isto despoletasse uma corrida aos depósitos - um cenário que, a concretizar-se, seria alarmante e de consequências sistémicas.
As desculpas esfarrapadas da administração do Banco, atirando as responsabilidades para o Banco de Portugal, parecem patéticas. E levantam questões éticas gritantes sobre o comportamento empresarial do Banco e da sua administração. Como é que isso se conjuga com as tais preocupações éticas das atividades empresariais, que Vitor Bento alardeava defender acerrimamente? Claro que não se conjuga.

sábado, 19 de julho de 2014

Ainda mais sobre o BES




1. Em meados dos anos 90 conheci de perto o caso de um administrador de uma empresa importante cotada no mercado de capital. Num daqueles almoços de cativação de clientes empresariais relevantes, um quadro de topo do BES conseguiu convencer também esse administrador a fazer uma aplicação pessoal, da ordem de meio milhão de euros, num serviço de gestão discricionária.
Recordo ainda a cara de horror desse administrador quando passados uns tempos descobriu que tinha perdido cerca de 20% do capital investido e que lhe tinham aplicado o seu dinheiro em produtos financeiros ... do próprio GES / BES. Não é por acaso que me tenho lembrado deste caso nas ultimas semanas.

2. Há menos de três meses, o BES publicou e distribuiu o numero 37 do valorBES, a newsletter dos acionistas do BES, relativo ao mês de Maio de 2014, onde se faz uma análise ao exercício de 2013. O editorial é assinado por Ricardo Salgado, acompanhado da sua fotografia e assinatura. O tom laudatório do texto segue a retórica habitual desta literatura, mas algumas passagens soam hoje a uma profunda hipocrisia, escassas dezenas de dias depois de terem sido escritas. Por exemplo:

  • A boa performance do Banco num índice de referencia mundial como é o Dow Jones Sustainability Index comprova que a estratégia de sustentabilidade é um elemento fundamental do modelo de negócio e da missão do Banco, refletindo uma gestão equilibrada e pautada por valores de solidez, rigor e transparência (itálicos da minha responsabilidade).

Noutra passagem fala da "rigorosa disciplina financeira que caracteriza o banco", da "gestão prudente do risco" e reclama com orguho que "em 2013, o BES integrou a lista das 100 empresas mais sustentáveis do mundo".
Se nos recordarmos que os problemas do BES têm origem no GES, cuja administração era largamente liderada pelas mesmas pessoas da família, e que as contas do GES terão vindo a ser friamente falsificadas durante anos (porventura de forma sofisticada e durante mais anos do que se diz), podemos perguntar agora o que é que pode também estar escondido nas contas de várias empresas emblemáticas do universo do GES (inclusivé companhias do sistema financeiro, como companhias de seguros relevantes em Portugal).
O BES colocava aos seus balcões dívida (papel comercial) do GES, cuja administração (só esses???) conheciam perfeitamente o risco associado a esses produtos devido ás contas manipuladas e aldabradas do universo GES, também por eles administrado. Aliás é de perguntar o que é que realmente sabiam sobre isso os quadros de topo do BES e do GES, inclusivé os que em simultaneo têm feito carreira política - por exemplo, o que sabia sobre isso Miguel Frasquilho, deputado, economista de serviço no PSD e lider da AICEP nomeado por este governo? Mas haverá outros ...

3. Sandro Mendonça (do ISCTE) escreveu no Expresso online um texto notável e corajoso, que se recomenda (aqui). No programa Expresso da Meia Noite (na SIC Noticias), Sandro Mendonça teve a coragem de dizer o que poucos têm tido coragem para dizer em público: que Vitor Bento, CEO do BES, continua com vínculo ao Banco de Portugal, o que coloca questões sobre as relações entre regulado e regulador. Parece óbvio que Vitor Bento simplesmente não quer correr o risco de perder esse vinculo, não vá o diabo tece-las. (Mendonça recordou que Vitor Bento recebeu durante anos prémios de desempenho no Banco de Portugal quando nem sequer estava ao serviço do Banco). Questões de ética ...

4. Entretanto o WSJ publicou ontem um artigo (aqui) que complementa bem o texto referido de Sandro Mendonça, e que faz perguntas pertinentes:
  • Troubles at Espírito Santo International SA have rocked markets in southern Europe in recent days, but there were signs as early as 2012 that the Portuguese conglomerate was struggling, raising questions about why regulators didn't intervene earlier.
  • The report included an opinion from auditor KPMG, dated September 2012, which warned that as of June 2012, the €666 million ($900 million) fund had invested about 87% of its value in commercial paper of Espírito Santo entities. The fund was marketed to clients of Banco Espírito Santo. The auditor also warned that given the debt was short term and there wasn't a market price available for it, the value of the investment was calculated based on the issuer's judgment. KPMG issued the same opinion in a report for the year ended December 2012.
  • The Wall Street Journal questioned Bank of Portugal in November on whether clients of Banco Espírito Santo who invested in the fund, called ES Liquidez, were exposed to too much risk, and whether there was a conflict of interest in having a bank market a fund so exposed to debt of the bank's main holding company. A spokesman for the central bank said then the issues weren't "of responsibility of Bank of Portugal," adding the questions should be posed to the market's regulator. He, however, said the central bank was monitoring connections between banks and affiliates closely, and there were rules in place imposing restrictions on loans from banks to those affiliates.
  • The International Monetary Fund, the European Union and the European Central Bank, lenders under Portugal's €78 billion, three-year bailout program that ended in May, also didn't raise any flags about possible problems with Espírito Santo International or the bank.

quarta-feira, 16 de julho de 2014

Ainda o BES

1. Que há um buraco nas contas do GES é um facto - recordo o post anterior (aqui). O que ainda não está claro é como é que foi criado, nem qual o seu valor. Mas sabe-se que é um buraco enorme. Um amigo meu sugere que é o resultado de anos a fio de sofisticadas contabilidades criativas para esconder grandes perdas durante muito tempo - muitos anos, e não apenas os últimos anos.

2. Esse meu amigo tem ainda uma teoria, um modelo tentativo para explicar a estranha crise no GES e no BES. O BES angariava fundos de várias origens. Emprestava dinheiro ao BESA em Angola, que estranhamente perdeu o rasto a empréstimos no valor milhares de milhões de euros, algo absolutamente insólito, mesmo que cobertos por garantias do governo angolano. O meu amigo sugere que esses fundos podem ter ido parar ... aos mesmos Espirito Santo ou GES, deixando chorudas comissões pelo caminho, com o objetivo de ajudar a tapar os buracos no Luxemburgo e em Portugal. E o meu amigo recorda a história dos dinheiros que Ricardo Salgado se "esqueceu" de declarar ao fisco, que agora se dizem terem vindo Angola numa teia de comissões e empreiteiros. Mas quero acreditar que esse meu amigo é um exagerado com imaginação a mais.


3. Ontem a nova equipe de gestão entrou ao serviço. Resposta do mercado: desvalorização das acções do BES em mais de 7%. Hoje a nova administração falou (e pouco ou nada disse: paleio vago e óbvio de recuperar a confiança perdida e de "pôr fim à especulação", em vez de clarificar). Resposta do mercado: uma quebra adicional de 15%. Em dois dias da nova gestão, que era dita precisar de entrar urgentemente ao serviço para salvar o BES, o mercado respondeu com mais de 20% de perdas na capitalização bolsista do BES. Elucidativo.

4. O que essa resposta significa é que o mercado não acredita numa gestão de comissários políticos sem experiência de bancos em mercados concorrenciais, nem que as facilitações politicas que pressupõem sejam suficientes para tapar os buracos no BES.

5. O governador do Banco de Portugal vem outra vez dizer que o BES é sólido e que até há quem queira investir no Banco. Uma coisa começa a ser clara: a supervisão do Banco de Portugal falhou completamente em prevenir mais uma crise bancária e já não tem credibilidade para fazer estes anúncios. Afinal de contas estava tudo tão sólido que teve á pressa de coadoptar uma nova administração, tudo sob a pressão da urgência e sem respeito formal pelos acionistas, sem sequer aguardar pela assembleia geral num ambiente de normalidade - uma contradição completa. Já vimos a credibilidade que o mercado deu a esses anúncios.

Atualização (17 julho): excelente artigo de opinião por Sandro Mendonça no Expresso online, (desBESificar o país, aqui).


quinta-feira, 10 de julho de 2014

ES: não olhes para o que fazemos (ou fizemos) ...


A capitalização bolsista do BES era hoje um pouco abaixo de 3000 milhões de euros, após a interrupção das transações em bolsa, depois de fortes quedas recentes da cotação (ver gráfico, obtido no Google Finance). A ESFG controla 25% do capital do BES, que portanto vale cerca de 700 a 800 milhões de euros - ou seja, menos do que a exposição direta conhecida do BES ao grupo GES, que não inclui potenciais impactos do buraco BESA nem o risco indireto do BES aos incumprimentos do GE (como é que o BES será afetado pelas consequencias - incuindo possiveis falencias - de empresas clientes do BES que têm exposição á divida das empresas do universo GES? Informação recente do BES estima que essa componente possa valer cerca de 2000 milhões de euros.). E poderá valer ainda menos quando o mercado retomar as transações das acções.
Ou seja, o valor da "jóia da coroa" da familia, e do GES, não chega sequer para cobrir o risco do BES á divida do GES. No caso do GES querer entregar a sua posição no BES como garantia ou colateral, o valor da sua participação no BES estão longe se serem suficientes, nas condições de mercado a curto prazo. Isto dá uma perspetiva sobre a dimensão do problema, mesmo ignorando que a familia, e o GES, apenas controlam uma parte da ESFG ... Note-se que a familia própriamente dita tem conseguido controlar a gestão do BES através de uma posição de 25%, mas na realidade apenas detém cerca 25% desses tais 25%, graças á conhecida cascata de sociedades do grupo (deterá um pouco mais do que isso, se se anexarem as participações individuais de alguns membros da familia).
Fala-se que o papel (ou divida) do GES em circulação no mercado poderão ser 5 a 6 mil milhões de euros, um numero "colossal" (diria um tal Vitor Gaspar ...). A pergunta é como é que se contruíu esse passivo - uma pergunta que continua sem resposta, mas que certamente se deve a prejuizos continuados de exploração e a negócios ruinosos, sistematicamente escondidos debaixo dos tapetes. O GES diz excluir outras variedades menos conformes de desaparecimento de fundos, mas qual há quem desconfie disso. E ainda vamos ver aparecer a questão das responsabilidades dos auditores.
Durante anos os accionistas principais de um banco de referencia nacional andaram a enganar tudo e todos - ao mesmo tempo que os mesmos protagonistas perseguiam os clientes que não conseguiam esconder do banco as suas dificuldades financeiras - incluindo os pequenos depositantes e credores com dificuldades de tesouraria. O impacto final de tudo isto, inclusivé para além da esfera estritamente financeira, está ainda muito longe de se perceber ....
O BES fez um aumento de capital recente de cerca de mil milhões de euros. Um incumprimento do GES arruinará o efeito do aumento de capital, feito para melhorar os ratios do banco - e novo aumento de capital vai ser necessário a curto prazo. A possibilidade do saneamento do balanço do BES terminar no desaparecimento do banco, por fusão noutro banco, nacional ou internacional, começa a ser inquietante.
E o assunto da nova equipe de gestão é tudo menos reconfortante, por aquilo que significa: mostra que para gerir um BES nestas circunstancias o parece ser importante são as ligações politicas e a capacidade de facilitação e influencia junto do poder politico e da "nomenclatura" no poder, e que são essas capacidades que contam. Isso é especialmente gritante no caso do indigitado presidente da comissão executiva, um gestor sem experiencia de banca, que fez carreira empresarial num monopólio sem concorrencia a sério e que alavancou isso para se tornar politicamente relevante (muitas vezes com teses tecnicamente duvidosas) como ideologo de serviço ao governo e ás teses da austeridade radical. Um investimento que parece que lhe continua a render bons "dividendos".

(Atualizado em 11 de julho)

quarta-feira, 28 de maio de 2014

E depois das eleições ... um novo xadrez político?

A minha análise dos resultados das ultimas eleições (*), porventura pouco convergente com o que muitos analistas têm dito:
1. O voto de protesto poderá ter sido da ordem dos 20%: crescimento do PS e da CDU, MPT, crescimento de brancos e nulos, e mesmo de outros pequenos partidos, perda de votos da coligação no poder.  Admito que estamos perante um novo xadrêz politico que poderá ser irreversivel - e por isso o quadro conceptual de análise terá que ser diferente.
2. A abstençao terá sido menor do que o costume, mas isso foi escondido pelo aumento da abstenção dita "técnica", que estará entre os 10 e 15%, pelo menos, dos eleitores registados, agravada pela saida de perto de 3% da população (emigração) nos ultimos anos. Como seria de esperar, a redução da abstenção foi canalizada para o voto de protesto.
3. Boas noticias: as hipóteses de governabilidade parecem ter melhorarado. Não é isso que muitos dizem, mas é o que me parece razoavel inferir. Talvez a coisa esteja algo empatada, segundo os resultados destas ultimas eleições, como diz Marcelo - assumindo com isso que ele é que poderia ser a "silver bullet" presidencial que poderia desempatar.  Com base nestes resultados, se estas eleições tivessen sido legislativas (ver aqui) não seria possivel constituir maiorias sólidas. Mas isso ignora que estes resultados abriram as portas a novas soluções que é razoavel antecipar como muito possiveis nas próximas legislativas. Na dinamica de novas eleições legislativas, uma parte dos votos de protesto deverão voltar ao PS - mesmo que o MPT consiga converter-se num movimento politico consistente, o que não é de excluir e é mesmo muito possivel que aconteça.
4. Ao contrário daquilo que o BE e o PC sempre fizeram, nem o MPT nem o Livre parecem ter por vocação o "orgulhosamente sós" que tem caraterizado o comportamento politico do PC e do BE. O facto dos votos do MPT e do Livre não serem neste momento suficientes para uma coligação com maioria absoluta com o PS não significa que não o possam ser nas próximas eleições, até porque a diferença atual para tal é inesperada e surpreendentemente pequena. Visto assim, os resultados destas eleições parecem dizer que:
- o comportamento da direção do PS foi considerada inadequado e insuficiente como protesto reativo e como combate politico contra o governo da coligação e contra as politicas de austeridade sem reforma do estado e da economia
- mas o voto de protesto foi canalizado para novos veiculos partidários, nas franjas atuais do sistema politico e partidário, mas dentro dele, e que em principio sugerem expectativas positivas para a formação de consensos à esquerda. Essa será a grande novidade (finalmente?). Afinal os portugueses parecem sugerir que pretendem consensos partidários, mas dentro da linha de mudança da atitude europeia e da politica de austeridade, e pretendem que esses consensos que materializem nas zonas da esquerda democrática.
5. Tudo indica que o grande perdedor tem sido o CDS, que poderá estar agora reduzido a menos votantes do que o novo MPT, e até talvez mesmo não mais do que o novo Livre - pelo menos enquanto que coligado.
5. Por isso esta nova dinamica poderá vir a ser muito incomoda para o PC ou CDU: apesar de todos reconhecerem que é um dos vitoriosos destas eleições, neste novo cenário o isolacionismo sistemático poderá deixar de render as boas "rendas" que tem rendido de forma sistemática. Curiosa a posição de Jerónimo de Sousa, a reclamar de imediato um lugar em qualquer solução de esquerda, mesmo aceitando que afinal a CDU não a pode conseguir só por si.
5. E o futuro sem futuro do BE parece definido. A ideia que o regresso de Louçã para salvar o BE parece pouco credível - a menos que faça uma pirueta política e se abra a coligações de esquerda e a sujar as mãos na governação. Afinal foi o chumbo do PEC IV e do anterior governo, a aliança suicida do BE com a direita de Portas e Passos Coelho para o derrube de Socrates, que abriu as portas á troika e que acelerou a morte a prazo do BE. Os resultados do BE e do Livre em Lisboa são mesmo muito esclarecedores.
6. MPT e Livre foram as boas noticias destas eleições. Assim saibam sobreviver, para bem da democracia portuguesa. A história do PRD (lembram-se?) pode ser muito edificante e util de ensinamentos ... tanto para Marinho Pinto como para Rui Tavares.

(*) escrito antes de ser conhecida a candidatura de António Costa. A sua eventual liderança do poderá reforçar o "momentum" do PS e assim reduzir um pouco a importancia das novas forças políticas emergentes, mas acima de tudo criaria condições mais favoraveis para consensos á esquerda, envolvendo essas forças.

terça-feira, 27 de maio de 2014

Gordo, anafado e balofo

Cada vez mais gordo, anafado, balofo, foleiro e vazio de ideais, já todos perceberam que Barroso vai sair da Comissão da UE pela porta mesmo muito pequena do palco europeu. Infelizmente para todos nós, europeus em geral, europeus do sul em especial, e portugueses em particular.
Em Sintra, Barroso apenas terá reforçado a sua mediania provinciana (da "provincia" longinqua de Bruxelas). Pois, afinal a culpa afinal não é nem da UE, nem do euro, nem das politicas estúpidas de austeridade, mas sim dos estados que não resolvem o problema do desemprego. Está tudo dito: afinal foram esses estúpidos (leia-se, os governos de Espanha, Portugal, Grécia, Itália, ...) que criaram desemprego porque foram incompetentes a ... aplicar a austeridade hortodoxa (mais do que hortodoxa, no mais que infeliz caso portugues).
Vale a pena ler o comentário de Paul Krugman (aqui):
  • Sitting in a room listening to EU officials reacting to the European Parliament elections — and it seems to me that they’re deep in denial. Barroso just declared that the euro had nothing to do with the crisis, that it was all failed policies at the national level; a few minutes ago he said that Europe’s real problem is a lack of political will.
Parece que o sonho da fenix renascisda das cinzas (da austeridade) continua na cabeça de responsaveis europeus. Krugman comenta:
  • Sorry, but depression-level slumps didn’t happen in Europe before the coming of the euro. And we know very well what happened: first the creation of the euro encouraged massive capital flows to southern Europe, then the money dried up — and the absence of national currencies meant that the debtor countries had to go through an extremely painful process of deflation. How anyone could deny any role for the currency …
Menos austeridade, mais deficit, mais reforma e mais tempo teriam ditado outros futuros para a europa do sul, embora porventura menos proveitos para a europa do norte:
  • And if there’s one thing Europe has, it’s political will. All across the southern tier, governments have dutifully imposed incredibly harsh austerity in the name of being good Europeans. What should they have done that they haven’t?
  • I guess the notion is that if the Greeks, or the Portuguese, or the Spaniards really, truly committed their all-powerful wills to reform and adjustment, their economies would boom despite deflation and austerity. The possibility that things are so bad — and radicals have been empowered — because the policies are fundamentally misguided just doesn’t seem to be considered.
Em comentário anterior (aqui) Krugman tinha escrito:
  • The European story remains one of deeply destructive economic policies, which have inflicted vast harm — but have not led to unraveling, because the political cohesion of the euro is stronger than people like me realized. The cohesion is a good thing, I guess, but the policies still aren’t working.

ATUALIZAÇÃO (31 de maio de 2014):

Paul Krugman divulgou no seu blog no NYT a apresentação feita na reunião do ECB em Sintra: ver aqui. Não terão sido apenas os comentários de Krugman sobre a UE e Barroso que terão deixado amargos de boca nalguns. Na sua intervenção Krugman pôs acima de tudo em dúvida aquilo a que chama "mysterious doctrine of 2%", ou seja, os fundamentos e a bondade dos numero mágico de 2% como "target" da inflação na zona euro, um dos fundamentos mais importante da política e do mandato do ECB. Krugman recorda os tres argumentos tradcionais a favor, rejeita dois e duvida do terceiro:
  • 1.  ZLB episodes regarded as unlikely at that rate 
  • 2.  DNWR regarded as unlikely to be seriously binding 
  • 3.  Price stability advocates offered a measurement fig leaf 
  • We now know that 1&2 not true. But also good reason to fear a low-inflation trap, so that there is option value to reducing the odds of falling in
ZLB refere-se ao "zero lower bound" caracterisitica da situação de procura agregada insuficiente, associada à "low inflation trap" (como acontece atualmente na Europa e em Portugal) e DNWR é a sigla de" downward nominal wage rigidity", a dificuldade estrutural de reduzir os salários nominais em termos significativos (Portugal é um contra exemplo recente). 
No final Krugman confronta-se explicitamente com as palavras de Draghi, quando este afirma não ver sinais de deflação na zona euro, e fala de um "timidity trap" que está a minar a zona euro.