domingo, 18 de agosto de 2013

Concorrência: pessoas e setores

O Expresso noticia (aqui) que o novo ministro da economia desconvidou um nome indigitado pelo seu antecessor para presidir á Autoridade da Concorrência. O homem seria irmão de alguém à frente de uma empresa eventuallmente sujeita a atenção especial da Autoridade nos tempos mais próximos. Os mais cáusticos dirão que os interessados na operação estiveram quase a conseguir pôr no lugar alguém potencialmente compreensivo para certos processos complexos de integração empresarial. Outros especularão sobre a limitada base de recrutamento para este tipo de funções, e sobre o que isso pode significar, quer sobre a base de apoio deste governo, quer mesmo sobre as elites da sociedade portuguesa em geral.
Parece que este ministro, e o seu partido, estão muito preocupados com questões de concorrencia e querem mostrar serviço:
  • "Temos a oportunidade para uma melhoria substancial na deteção e atuação eficaz em relação a este tipo de práticas comerciais" de "cumplicidade entre operadores em sectores com concorrência imperfeita ou limitada".
Acontece que essas práticas não são exclusivas de setores como as petroliferas ou telecomunicações. Acontece em quase todos os sectores onde o mercado é controlado por um número muito limitado de operadores como, por exemplo, ... o setor das cervejas. Quem por uma ou por outra razão lidou ou lida de perto com o setor não pode ficar indiferente às estranhas "fronteiras" entre marcas na distribuição, inclusivé inter fronteiras dentro da UE. Práticas de controlo territorial e termos contratuais duvidosos na distribuição não são desconhecidos. A complexa rede de participações sociais entre as empresas internacionais do setor favorece condições para mecanismos discretos e súbtis de controlo indirecto e "top down". A UE tem repetidamente denunciado e multado o setor durante os últimos anos. Por exemplo:
  • The European Commission has fined the Dutch brewers Heineken, Grolsch and Bavaria a total of €273 783 000 for operating a cartel on the beer market in The Netherlands, in clear violation of EC Treaty rules that outlaw restrictive business practices (Article 81). The Commission's decision names the Heineken group, Grolsch and Bavaria, together with the InBev group which also participated in the cartel. Beer consumption is around 80 litres per capita in The Netherlands. Between at least 1996 and 1999, the four brewers held numerous unofficial meetings, during which they coordinated prices and price increases of beer in The Netherlands. InBev received no fines as they provided decisive information about the cartel under the Commission’s leniency programme (aqui).
  • Today the Commission imposed fines totalling € 2.5 million on the two main brewery groups in France. The two groups are being fined for having taken part in an agreement aimed at establishing equilibrium between their integrated beer distribution networks in the away-from-home sector (hotels, restaurants and cafés) France. The agreement was also aimed at limiting the acquisition costs of drinks wholesalers. (aqui)
  • The European Commission welcomes the judgment by the European Court of Justice (Case C-3/06 P) dismissing in its entirety the appeal by Danone against the judgment of the Court of First Instance (CFI) of October 2005 and confirming that repeat offences by companies, even when many years in the past, should be taken into account when setting fines in competition cases. The original case concerned cartels operated on the Belgian beer market between 1993 and 1998. The Court upheld the fine of €42 412 500 as set by the CFI. This means that over 96 % of the Commission's fine on Danone and 97% of the Commission's fines on all cartel participants remain. (aqui)
Claro que as práticas se vão adaptando e mudando com os anos, procurando não se repetirem ostensivamente. Mas os mais cáusticos desconfiarão que meteram a raposa no galinheiro e dirão que as suas teses parecem confirmar-se. Outros dirão que esperam ser surpreendidos - especialmente no setor das cervejas - agora que um "insider" detém o poder.
Outros ainda dirão que isto de olhar para os gestores de grandes empresas como reservas para políticos de mãos limpas pode ter grandes problemas ... políticos.

2. Lembram-se das cervejas Cintra? Só queria atingir dez por cento do mercado nacional, mas ficou pelos 1% e um colapso empresarial ... Mas o empresário tinha grande experiencia e sucesso no setor (no Brasil, não cá ...) - por isso não se invoquem os tradicionais "erros de gestão" dos treinadores de bancada. Mais uma operador no mercado poderia ter significado mais concorrencia e beneficiado os consumidores finais. 
O que é aconteceu? Como se explica o desastre empresarial? Porquê tanto silencio à volta da história, especialmente na imprensa economica? Estou á espera que alguém faça a história crítica e independente do caso (que magnifica proposta para uma tese de doutoramento!...).
Entretanto aquela linda fábrica á margem da principal autoestrada deste país recorda todos os dias a quem por lá passa que nisto de concorrencia, ele há setores e ... setores. Um estranho e incómodo monumento á (falta de) concorrência.

sábado, 3 de agosto de 2013

Empreendedorismo: uma história transmontana



Para quem vai a Bragança e quer almoçar bem, o restaurante O Abel, em Gimonde, é uma das referências a não perder.
Mas o que me interessa aqui é a história da casa, descrita de forma exemplar numa das paredes da sala de entrada. É uma saga de empreendedorismo familiar que dispensa comentários, e que bem poderia constituir um caso de discussão para as minhas aulas, quer de gestão como de inovação.
As palavras falam por si (mesmo que a pontuação não seja uma perfeição, mas que se mantém na transcrição):

  • O restaurante O Abel nasceu a 1 de Abril de 1984, quando o senhor Abel e a sua esposa Clóris decidiram tentar mudar o rumo das suas vidas, naqueles tempos, difíceis. Ele camionista e ela doméstica já com quatro filhos, decidiram arriscar o pouco que tinham num pequeno negócio situado nesta aldeia, inicialmente serviam apenas petiscos, que se tornaram rapidamente famosos pelo seu sabor único, as tripas com feijão servidas na malga eram na altura o petisco mais prezado. Com a clientela a crescer decidiram arriscar noutros pratos, a escolha caiu nas carnes assadas condimentadas com especiais ervas aromáticas existentes na região, e tal como nos petiscos rapidamente se destacaram. Mais clientes eram sinónimo de novos horizontes, e a 1 de abril de 2001 abriram este novo espaço juntamente com os seus filhos, mantendo a essência, a humildade, o trabalho e o amor de uma família transmontana. A 20 de janeiro de 2009 receberam da Câmara Municipal de Bragança um Diploma de Mérito pela contribuição para a fixação económica na área rural do concelho e gastronomia local, pelo seu contributo para a qualidade da oferta gastronómica  e como estímulo à diferenciação positiva na atividade e no setor. Atualmente o Restaurante O Abel continua a ser a casa de ambiente familiar, rodeado pelas belas paisagens do Parque Natural de Montesinho onde pode deliciar-se com as melhores carnes transmontanas grelhadas na brasa.
  • O sucesso deste restaurante deve-se unicamente à dedicação de uma família e seus clientes.

Quatro notas:
1. Gimonde é um dos sítios mais quentes de Portugal, porventura ainda pior do que Mirandela. Mas o restaurante tem ar condicionado.
2. Esqueçam a famosa posta mirandesa. Peçam RODEÃO e depois contem como foi ... (Os agradecimentos ao artista Rodrigues da Fonte, de Bragança, pela sugestão)
3. Localização, pelo Google Maps (nova versão, mais um caso como o que tratei recentemente no meu outro blog (aqui)), vendo-se a zona urbana de Bragança á esquerda e Gimonde á direita. Ao fundo, terras de Espanha.


4. Registe-se a forma original de promover e anunciar bons vinhos transmontanos, a preços convidativos. As minhas recomendações: o mais barato, Montes Ermos, e um do mais caros, Trovisco.