quinta-feira, 4 de julho de 2013

E agora?

1. Até Peter Wise, o correspondente do FT em Lisboa, diz (aqui) que Portugal cumpriu quase todo o programa de consolidação fiscal definido pela troika:
  • Portugal has so far achieved about two-thirds of the fiscal consolidation required under the three-year bailout programme. 
embora reconheça que afinal pioramos e que entramos numa recessão profunda:
  • But the Organisation for Economic Co-operation and Development and other economists forecast that public debt is likely to peak at above 130 per cent national output by 2015, calling into question the sustainability of fiscal consolidation and the prospects of lifting the economy out of a deep recession. 

2. Ouvindo os oráculos europeus, em especial durante os últimos dias, parece ser um constante o argumento (ou ameça?) de que não continuar com o programa da troika deita a perder os sacrifícios de dois anos e os sucessos conseguidos. Só que não se compreende quais são esses sucessos - salvo o ter tentado cumprido acriticamente um programa louco de empobrecimento e desastre social em nome de uma experiência utópica de engenharia económico e social.
O poder europeu parece acima de tudo interessado em salvar a face, garantir que o seu diktat é cumprido (mesmo que os resultados sejam o desastre que se está a ver) e que as aparências de mantêm - e que a crise do euro afinal se vai ignorando e escondendo debaixo do tapete, na esperança de que se vá resolvendo por artes mágicas que dispensem a politica e vontade dos povos europeus.

3. Mas a carta de demissão de Vitor Gaspar acabou de vez com o mito, pelo menos o mito interno. O arquiteto das políticas internas de austeridade “custe o que custar” e o agente de confiança dos mentores europeus dessas políticas disse claramente, e sem margens para dúvidas, que afinal o rei vai nú e que tudo falhou, e que é preciso um novo ciclo. Perante isso a posição de Barroso e dos alemães parece ser, uma vez mais, elogiar os sucessos que o próprio Gaspar desmentiu categoricamente.
Que se veja, o único sucesso portugues foi cumprir acriticamente - e pior, ter agravado em muito o plano inicial de austeridade. Uma análise contrafactual sugere que estaríamos muito melhor no plano económico e financeiro se esse agravamento delirante não tivesse sido feito. Mas foi.

4. O roteiro salvador á nossa frente parece ser assim: aguentar até meados do próximo ano, acabar de cumprir o programa (“custe o que custar”), ficar livre da troika e encontrar a praia salvadora nos braços do BCE e dos mercados. Pelo meio anunciar ao mundo o “sucesso” do programa salvador e agradecer reconhecidos a esmola concedida.
Confesso não entender: cumprir o programa (entendido pela troika como incluindo os cortes adicionais propostos) significará implementar o programa dito ser de “reforma estrutural do estado” que implicará o tal corte dos 4 ou 5 mil milhões de euros, uma verdadeira bomba de recessão adicional que irá agravar ainda mais a espiral recessiva em que nos metemos. As consequências económicas, sociais e financeiras disso são previsíveis, e de certeza não serão boas. A situação vai ainda agravar-se mais com as consequências disso ao longo do resto deste ano e dos próximos anos. O acesso aos mercados, um quase mito hoje em dia, ficará ainda mais comprometido. O poder europeu pode ficar satisfeito, e até mesmo reconhecido, para com o “país cumpridor”, mas os mercados não vão nessa: no fim do programa as notações de rating das agencias internacionais não vão ser muito melhores do que as atuais - se é que não vão ser piores - e nessas condições só os especuladores irão investir na divida portuguesa, e a taxas de juro insustentaveis. Portugal ficará, na melhor das hipóteses, nas margens atribuladas e especulativas dos investidores em divida pública, afastado dos grandes operadores desses mercados (por causa da notação insuficiente de rating).
Não credito que os tais cortes dos 4 ou 5 mil milhões devam ser implementados nestas circunstâncias, nem que existam condições políticas e sociais minimas para isso, no caso de ser tentado. O único argumento é que isso abrirá depois a porta do BCE - embora ninguém saiba exatamente como e com que condições. Que eu compreenda, nada disso está garantido, e pelo meio continuaremos a destruir o país social e económico.

5. Claro que com a crise da coligação tudo fica ainda pior. E a viabilidade do tal roteiro salvador passa de precária a (quase) impossível.
Apesar dos seus custos óbvios, querer adiar ainda mais eleições que possam ser clarificadoras, será agravar ainda mais esses custos e tornar ainda mais problemático o desfecho disto tudo.