sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Uma colossal crise da couve

1. Acabo de ver o programa “Quadratura do Circulo”. Espantoso como se chegou a uma situação de unanimidade dos três protagonistas do programa na avaliação da crise governamental, e como todos estão de acordo que este governo chegou ao fim e não tem qualquer futuro. E todos parecem estar mesmo muito preocupados com a dificuldade em encontrar alternativas governativas no atual contexto político, social e económico. A situação parece ser mesmo desesperada. As trapalhadas das ultimas semanas foram desastres sucessivos em cima de políticas desastrosas.
A necessidade do combate em Bruxelas e o reconhecimento de que o memorando da troika perdeu atualidade e precisa de ser renegociado porque deixou de estar adequado ao desastre que entretanto aconteceu em consequência das politicas governamentais deste ultimo ano, são ideias que parecem também ter reunido consenso no referido programa.
Algures na discussão Pacheco Pereira respostou a Lopo Xavier se achava que uma grande e enorme couve podia dar boas e belas maçãs, ou coisa do género, isso acerca da possibilidade de regeneração ou mudança de politicas pelo atual executivo. Como é óbvio, a couve referia-se a Passos Coelho & Cª (Miguel Relvas aí incluído).
A falta de qualidade do pessoal político deste governo é bem patente e conhecida - incluindo o ministro das finanças. A imaturidade política, a superficialidade ideológica e a impreparação técnica criaram uma mistura explosiva.

2.As reportagens do Publico sobre as negociatas da Tecnoforma (aqui e aqui) são importantes por aquilo que revelam sobre o carácter e a (falta de) experiencia profissional de Passos Coelho & Cª, assim como da cultura e dos métodos a que estavam habituados a cultivar. Têm o mérito de expor as contradições e vulnerabilidades da atual liderança do governo.
Em primeiro lugar, sob a capa de um discurso partidário contra o Estado e a favor do privado, sempre a falar do “despesismo” do Estado, afinal de contas essas criaturas dedicavam-se a ganhar dinheiro, ou a ajudar a ganhar dinheiro, e a fazer negócios à custa do Estado e para isso recorriam aos jogos de poder e de influencias nos corredores dos amigos no Estado (e no partido). Os arautos do neoliberalismo fizeram-se na pior escola do governamentalismo.
Em segundo lugar, o mercado que conheciam e dominavam não era o duro mercado da realidade económica e empresarial, mas sim o das negociatas à sombrinha do Estado e do partido, procurando sacar uns dinheiros dos programas de apoio às autarquias através de propostas de ações de formação mais ou menos inúteis. Os grandes defensores do privado afinal fizeram-se num privado pensado para ganhar à custa das fragilidades do sector publico.
Como pode gente desta lidar com a difícil situação política dos tempos que correm? Como se pode esperar que esta gente tenha estofo, carácter, competência e experiencia para liderar e coordenar um governo real em tempos de séria crise?
E não admira que a formação do governo tenha sido o seu primeiro grande desastre: a sua forma (estrutura) e muitas das pessoas (incluindo o ministro das finanças) espelham a incompetência técnica e política de uma liderança sem experiencia séria de política nacional e internacional. Não bastam boas intenções nem sucesso no controlo da máquina partidária.
A colossal falta de qualidade da atual geração de políticos (incluindo também muitos do PS) é uma das grandes tragédias e desafios do Portugal contemporâneo.

3. E se os relatórios das tais ações de formação, assinados pelo atual primeiro ministro, tiverem “massajado” os números para sacar mais umas guitas ao Estado - como a reportagem do Publico sugere que aconteceu? Que autoridade pode ter um tal primeiro ministro para pedir honestidade e rigor aos contribuintes portugueses, mesmo que recorra a indignados discursos de virgem enganada? E perante estas denuncias, e os testemunhos identificados, pode o Ministério Público ficar indiferente?

4. Foi preciso uma voz estranhamente livre como Helena Roseta para despoletar a investigação do jornal sobre aquilo que era um segredo de Polichinelo e sempre se ouviu sussurrar nas conversas de café. Isso diz muito sobre o Portugal de hoje e sobre o jornalismo de hoje. Ou terão sido também umas contas que precisavam de ser ajustadas entre a liderança do executivo e o jornal?

5. O Presidente da República está também ele metido até ao pescoço numa situação em que tem responsabilidades, e que agora terá provavelmente que resolver com mais do que mensagens subliminares ou recados pelos jornalistas ou pelo facebook. É pena que entretanto tenha alienado a confiança de uma boa parte dos portugueses com o seu comportamento político nos últimos anos.

6. O discurso da irresponsabilidade fiscal dos anteriores governos, em que o primeiro ministro se refugia constantemente para tentar ignorar que também assinou o memorando da troika e que depois prometeu o que prometeu na campanha eleitoral, é uma prova pungente da sua falta de responsabilidade e de clarividência política, numa altura em que já nem Merckel recorre a essa narrativa irresponsável, irrealista e estereotipada. Não admira que até Santana Lopes ache este governo sem futuro. 
Ontem António Costa recordava no referido programa uma genuína e elucidativa “gasparvoice” (um nome inventado pelo Expresso num cartoon de António, quanto compreenda): há poucos anos atrás criticava a irresponsabilidade em Portugal versus a grande responsabilidade do modelo espanhol – como a história é ingrata para esta gente.