segunda-feira, 5 de março de 2012

Krugman em Portugal (II)

Krugman publica hoje no seu blog o texto que apresentou na cerimónia em Lisboa, sob o título "Economics in the crisis". Um texto de reflexão intelectual sobre a economia, os economistas e a crise atual, que transcende o circunstancialismo dos dias do evento. Apreciamos a sua qualidade e ficamos na expectativa de o ver integrado em futras contribuições académicas  de Krugman.
Curiosamente não vi muito sobre o seu conteúdo nos jornais portugueses, para além de um ou outra referencia ao falhanço dos economistas na previsão da crise. Mas o texto de Krugman vai bastante para além disso. Os jornais refugiaram-se antes antes nas questões da responsabilidade da crise atual em Portugal e na UE, e acima de tudo na critica às politicas fiscais prevalecentes - sobre as quais é bem conhecida a opinião negativa e reticente de Krugman (ver por exemplo alguns dos nossos posts anteriores: aqui e aqui), em geral com base em pequenas entrevistas (quase todas ditas exclusivas) à margem do evento.
Este texto de Krugman pode ser interpretado como um um novo capítulo da polémica sobre os economistas de águas doces versus economistas de águas salgadas, na sequencia do seu famoso texto de 2009 ("How did economists get it so wrong?").
Mas há aqui menos polémica e mais profundidade. Este "texto de Lisboa" de Krugman promete.
Pelo meio aparece o renovado reconhecimento da pertinência da teoria keynesiana, de águas salgadas, para a análise na situação atual:
  • And those who knew IS-LM and used it – those who understood what a liquidity trap means – got it right, while those with lots of real-world experience were wrong 
  • Everyone in the profession knew IS-LM analysis; everyone understood the case for expansionary monetary policy to fight recessions when it was available, and at least understood the argument that there are times when conventional monetary policy is not available and fiscal policy may be the best tool at hand.
  • who knew the IS-LM model understood that. But too much of the economic profession had lost the hard-won understanding of earlier generations
Os meus outros sublinhados:
  • But even pessimists like me, even those who realized that the age of bank runs and liquidity traps was not yet over, failed to realize how bad a crisis was waiting to happen – and how grossly inadequate the policy response would be when it did happen.
  • a paradox: times of economic disturbance and disorder, of crisis and chaos, are times when economic analysis is especially likely to be wrong. Yet such times are also when economics is most useful.
  • failing even to see that something like this crisis was a fairly likely event.
  • the experience of peripheral European countries, Portugal included, where wage declines have so far been modest even in the face of very high unemployment.
  • What happened, in fact, was that to a large extent policy makers ended up going for economic doctrines that made them feel comfortable, that corresponded to the prejudices of men not versed in economics.
  • It’s also normal to think of economics as a morality play, a tale of sin and redemption, in which countries must suffer for their past excesses. Again, this normal reaction is wrong, or at least mostly wrong – mass unemployment does nothing to help pay off debt.
  • There were some economic studies used to justify the doctrine of expansionary austerity – studies that quickly collapsed under scrutiny.
  • The best you can say about economic policy in this slump is that we have for the most part avoided a full repeat of the Great Depression. I say “for the most part” because we actually are seeing a Depression-level slump in Greece, and very bad slumps elsewhere in the European periphery. Still, the overall downturn hasn’t been a full 1930s replay. But all of that, I think, can be attributed to the financial rescue of 2008-2009 and automatic stabilizers.
  • In normal times, when things are going pretty well, the world can function reasonably well without professional economic advice. It’s in times of crisis, when practical experience suddenly proves useless and events are beyond anyone’s normal experience, that we need professors with their models to light the path forward. And when the moment came, we failed.
Recordo ter lido um comentário do (iluminado) professor Braga de Macedo, antes do dia da cerimónia, em que comentava que a defesa que Krugman faz da teoria e políticas keynesiananas na análise da situação atual não o surpreende, pois seria tipica da pouca importancia que os keyneianos dão ao endividamento na economia. Não seria certamente a pensar nele que Krugman disse no texto que:
  • it shouldn’t have been hard to realize that an institution using overnight borrowing to invest in longer-term and somewhat illiquid assets was inherently vulnerable to something functionally equivalent to a classic bank run ... And I plead guilty to falling into that fallacy.
  • The banking system became, de facto, largely unregulated and unsecured. Leverage rose, both fueling and fueled by housing bubbles (and, in Europe, the false confidence fostered by the creation of the euro. 
Claro que a presença de Krugman não pode ser políticamente irrelevante. Tal como aconteceu com Stiglitz, algumas semanas antes, esta presença de um Nobel da economia em Lisboa pode ser lida também como um voto de desconfiança da academia no atual poder político e nas suas políticas macroeconomicas, num momento de inevitável confronto (julgo que de raiz mais oportunista sobre as condições de financiamento da academia do que própriamente por razões profundas de ideologia).
Mas neste caso terá tido uma mensagem subliminar sobre política universitária: um doutoramento deste tipo, nestas circunstancias, parece ter servido acima de tudo para promover a bandeira da fusão das instituições universitárias de Lisboa. Ora essa é uma politica bem do agrado do poder atual: concentrar, sob o argumento economicista, desde que seja concentrar em Lisboa - tudo em nome de economias de escala e de proximidade. Sobre o assunto, referência ao texto de Manuel Heitor numa das ultimas edições do Expresso ("Que universidades para Lisboa?", pdf).
Entretanto o ministro das finanças (para quem Nicolau Santos, do Expresso, pediu que se atribuisse um prémio Nobel se as atuais politicas resultassem) veio logo desvalorizar as afirmações contundentes de Krugman, e defender um ciclo não preverso para a política de austeridade, garantindo que não há evidência de uma espiral recessiva na economia, e assegurando que as medidas de austeridade evitam uma austeridade “mais descontrolada” - precisamente quando as estatísticas suegerem o contrário.
Num post recente do seu blog, em que Krugman anuncia o seu novo livro ("End this depression now!"), faz um forte comentário complementar ao texto de Lisboa:
  • we are suffering continuing huge human and economic losses for no good reason, and that with intellectual clarity and political will we could and should restore full employment quickly.
(Itálicos da nossa responsabilidade).

Sem comentários: